Balaio de novas divagâncias

Escrevo do labirinto do puerpério, quem viveu sabe hehe. Tava com saudade, fazia muito não passava aqui. 


Processando o que vivi, do aconchego às desilusões. O sonho dourado. O tempo. Nunca tinha levado tanto sem pisar no sul do mundo (para quem caiu agora no blog, tava na Europa) e nunca foi tudo tão incerto. Podia ir, podia ficar. Embarazada pela segunda vez. Planos e reviravoltas. Trama completa.

Teve chegada com uma semana de quarentena na capital e um apê com vista para o Río de la Plata. Nosso encontro. Poucos lugares tocam tanto mi corazón, vibramos na mesma sintonia. Cumplicidade de velhos amigos. 

QUARENTENA NO URUGUAI


Podia jurar que era palpável a saudade gostosinha de quem fui ali, retomei a conversa íntima diária,  abracei o conforto do reconhecimento, das esquinas revivendo pedaços da história que construímos, ao passo que percebia tudo diferente, um estranhamento de já não caber, a gente se expande, se transforma. Fomos 2, depois 3, agora 4. As cidades também seguem essa dinâmica mutante. No final, sou minha morada. É bonito, potente, mas nem por isso mais fácil.

Poucas semanas depois de desembarcarmos, o Uruguai que até então era uma ilha mágica nesse universo pandêmico (das melhores estatísticas frente um mundo já despedaçado), foi ficando também jodido
Não tinha mais ânimo para contar as coisas bonitas da primeira parte dessa mudança que não foi, ou que talvez tenha sido pelo tempo que durou, depende da perspectiva. Não tinha tesão. Só angústia. E no meio de tanto ruído, nada mais valioso que o silêncio. Diferente de neutralidade porque neutro só sabão, obrigada.


A vida inteira podia ter sido (re) construída. Nossa casa no bosque de pinos com bichos e livros perto do mar. Miramos terrenos e sonhamos. Projetos mil que ainda anseio jogar no mundo. Há de ser quando for para ser (busquei atalhos econômicos e confiante -risos-  apostei no 5 de Oro, a loteria nacional, acertei um número de cinco, fuen). 


morar no uruguai

Vi negacionismo do lado de lá, vacinas sobrando por falta de gente disposta,  um tal de libertad responsable pra cima de moi, incoerências. Spoilers do apocalipse, de novo. Cansada para repetir esse filme. Não quis. Voltamos pra onde partimos pero mais certos que não se volta a lugar algum: a vida é caminho de ida. 


Foram quase 2 meses de Uruguai, mais 2 meses na dulce espera, seguidos de outros 2 agora com ela fora da barriga. A vida do avesso. Nesse meio tempo foram tantas sincronicidades que me deixam no limite entre a jovem mística e sensata. Laços e magia. 

Nas aleatoriedades posteriores, montamos a casa nova do outro lado do mundo (tinhamos entregado o apartamento que moravamos e vendido quase tudo quando viajamos, o que sobrou ficou guardado num depósito de 1mx1m a espera dos próximos passos, os bastidores da vida cigana em movimento) e na sala sem tv temos uma vitrola como protagonista (cringe, sim). 

Inauguramos com o disco do Jorge Drexler, traz tanto recuerdos como poesia para embalar os dias. Muso, queda por rapazes uruguashos eu tenho, casei com um, mas cês já sabem hehe. 

Teve leitura também, me rendi ao tão comentado La Uruguaya, novela de um argentino que tem como cenário majoritário esse país amado. Não sei se entro no coro do fenômeno, dei umas risadas, li praticamente em um dia, mas não me arrebatou. Fantasias do omi branco hetero. Entretem. Gostei do ritmo narrativo, do humor ácido e achei quase impossível não se identificar com alguns dos delírios do cotidiano dessa nossa geração trinta-quarentona classe média cansada com problemas no casamento e/ou trabalho, vocação mais boletos sem fim. Vai virar filme e muito provavelmente vou querer ver.

Teve ainda a última consulta de rotina antes da bebê nascer em Barcelona. 37 semanas. Fomos fazer um monitoramento das contrações. Eu e ele numa salinha com a máquina que fazia gráficos curiosos do movimento que acontecia dentro da minha barriga. Seriam 30 minutos. Uma das linhas subiu bastante. O que quer dizer esse numero? Talvez só pelo aburrimiento, perguntamos ao señor Google: Unidades Montevideo. 


O monitoramento acabou, mas continuamos intrigados sobre a razão de chamar Montevideo. Será que tem algo a ver com a cidade, indaguei.


Já na sala de espera para encontrar a médica - escolhida totalmente ao acaso quando descobri a gravidez, pedi na clínica a obstetra com disponibilidade de atendimento mais próxima, não conhecia nenhuma, se não gostasse procurava outra, resultou ser uma argentina e fiz o prenatal todinho no conforto e aconchego da cadência rioplatense, um abraço para corações expatriados - e levar o resultado, desvendamos a charada. 


Foi um médico-pesquisador uruguaio, Roberto Caldeyro Barcia, pioneiro na medicina perinatal no país quem criou em 1947 esse método que quantifica a atividade uterina - medindo intensidade, frequência e duração - e é usado até hoje nos hospitais do mundo inteiro.


Vejam bem, o jovem Roberto recém formado e com apenas 26 anos fazendo história na medicina, eu nessa idade já com 2 anos de formada em Direito ainda tava aprendendo a fazer arroz sem queimar o fundo da panela, socorro, gente haha.  


Foi ele também quem desenvolveu - junto ao amigo e companheiro de pesquisas Hermógenes Alvarez - o método para medir o efeito das contrações no ritmo cardíaco do feto que se converteu na base do monitoramento fetal durante o trabalho de parto. 


Na minha primeira gravidez no Uruguai fomos encaminhados para uma cesarea porque no meio do trabalho de parto usando esse aparelhinho aí descobrimos que havia um risco para nossa primogênita. Mas, nem eu nem o omi nunca tinhamos ouvido falar do doutor, muito menos que esses eram inventos uruguaios. 


Um viva a ciência. Apoiem a ciência. Se vacinem, gracias.


VIDA NO URUGUAI


Corta para uma semana depois desse evento, nossa segunda criança nasceu. O pai foi registrar sozinho, saiu de casa achando que a neném seria italiana, afinal ele vive aqui como cidadão italiano, o documento de residente remete a esse documento, seria o papeleo recomendado, mais simples e mais óbvio.


Mas não foi, os nomes dos documentos não coincidiam (recentemente quando renovaram o passaporte dele emitiram apenas com um sobrenome, o motivo nunca soubemos hehe, mas tratando-se do consulado italiano onde tudo é um balacobaco colossal, decidimos ignorar esse detalhe solenemente) e precisava ser corrigido para seguir o registro. 


Ciente que retificar levaria muito mais tempo que o razoável (e tinhamos certa urgência), ele perguntou na hora no improviso se podia fazer com o documento uruguaio, seu moço? Pues, sí. E então a pequena Olivia nascida na Catalunha adquiriu como primeira nacionalidade a uruguaia (em algum momento vai tirar também as outras que tem direito). Compondo os 3 milhões e uns quebrados mais uma <3


Um emaranhado de pontos soltos que se conectam. Fé na vida, nos perrengues, nas delícias e nos mistérios.


Talvez volte mais vezes e traga as memórias do que foi essa temporada 2021 cheia de encontros e desencontros no Uruguai. Tenho tudo guardado no HD e na alma. 


Mais confortável para escrever agora - embora sem tempo, pois mãe de RN insone e dispersa haha, esse texto, por exemplo, foi concluído em mais dias do que consigo lembrar, capaz por isso tenha ficado enorme ou a falta de sono me deixa assim prolixa, alguém conseguiu ler tudo? Deixe-me saber, creio que volto mais sucinta - para falar de coisas bonitas com o país mais estável dentro do que se pode estar num contexto de pandemia (me refiro obviamente ao Uruguai, Brasil só vai começar a esboçar um futuro quando o Biroliro cair). 


O Uruguai abriu fronteiras depois de 18 meses fechado, inicialmente para estrangeiros com propriedades e seus familiares, logo mais - em novembro - para geral que cumprir os requisitos de ingresso como estar imunizado e testar negativo.

Remexeu tudo aqui, um fluxo novo no que era pausa. Não prometo constância, não me adapto - nem quero - ao ritmo das redes, mas sim conteúdo honesto e afetivo, venho quando tô bem, é possível e a vontade de compartilhar é genuína, nesse esquema tem quem fique e quem se irrite, faz parte.

Meu lado mais otimista espera publicar a versão do Guia Montevideo revisado e tinindo de lindo antes de novembro para todo mundo chegar lá daquele jeito que a gente gosta: aproveitando e vivendo - com responsabilidade - o melhor da cidade! E porque não tirar do papel o Guia Punta também, né, olha as ideias da pisciana sempre no timing perfeito hehe.

Não tem planejamento para alimentar algoritmo, crescer e aparecer. Nossa comunidade é feita de gente, e muita gente boa! E eu amo <3 

Para quem fica tem bolo, divagâncias, imagens e trocas bonitas. E vocês como estão por aí?

Um beijo e obrigada pela paciência e companhia! 

10 comentários

  1. "Voltamos pra onde partimos pero mais certos que não se volta a lugar algum: a vida é caminho de ida" ... frase simplesmente PERFEITA ...
    Parabéns pela nova integrante dessa família linda, li cada linha e gostei muito do texto.

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  2. Fantástico!!! sua escrita é ótima, me gusta mucho!!! Adoro o Uruguai e lhe acompanho faz tempo com o melhor conteúdo que achei. Em dezembro retorno ao paisito pra matar a saudade de turistar por lá, quiçá morar. Felicidades pra vc e sua família. Obrigada

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    1. Muito obrigada, Claudia! <3
      Que vc se divirta muito em dezembro e se for para ficar que seja uma jornada muito feliz também!

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  3. Ao acaso encontrei teu blog, que acompanho há anos. Aliás, é o único blog que acompanho. Está na minha barra de favoritos. Teus textos, mais que lindos, são emocionantes. Obrigado

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  4. Mile seu Blog é otimo! Eu e minha esposa moramos em Porto Alegre e ao menos 2x por ano passeamos em Montevideo.. Linda cidade . Sempre consulto seu blog para saber das novidades. Parabéns pelos textose por compartilhar suas vivências!

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    1. Muito obrigada pela gentileza, Fernando! <3
      E que coisa boa estar tão pertinho e poder ir assim com frequência...

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  5. Oi Mile, caí aqui de paraquedas,procurando intercâmbio em Montevideu. Também sou mãe, estou nos 30-40 e sei como é o puerpério. Época de transformações intensas, dramáticas e maravilhosas!Parabéns e boa lua de leite! Vou ficar por aqui, aprendendo contigo e me planejando para viajar sozinha em breve. Com medo sim, mas também uma vontade imensa de concluir um desejo antigo..bjs!

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    1. Muito obrigada pela visita e comentário! <3
      Vivo entre chegadas e partidas há mais de 10 anos e vou te contar que o medo tá sempre presente e faz parte, a gente vai é com medo mesmo! Que você possa ir muito em breve! Abraço!

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